quarta-feira, março 26, 2008

Intolerante

O gosto pela leitura e por computadores facilitou meu lado com o idioma Inglês. Lia sempre as ficções do Michael Crichton e as mensagens da FidoNet. O fato de não haver versão em português para o BlueBeep também ajudou.

A minha confiança garantida na escrita e leitura não ajudou a absorver o choque da conversação há 30 meses atrás, quando me mudei para Sydney. Ajudou ainda menos a quantidade de imigrantes em Sydney que falavam e entendiam inglês tão mal ou pior que eu. Numa ocasião desisti de pedir comida no KFC porque a menina do caixa simplesmente não conseguia entender que eu queria meu sanduíche sem abacaxi e com o molho normalmente servido em outro sanduíche - tive que me contentar com o bom e velho quarteirão com queijo.

Ainda hoje meu inglês às vezes falha e entendo alguma coisa errada. Ou nada entendo. Num sábado, cerca de seis meses atrás, achei que não tinha entendido o que o sujeito esquisito, com cara de maluco, tinha me dito antes de se sentar à nossa frente.

A Debbie entendeu muito bem e se pendurou no meu braço. Eu só confirmei o que achava que ele tinha me dito na segunda vez em que olhou para trás e informou que ia "me meter bala".

O que você faz quando um sujeito claramente maluco te diz, no ônibus, que vai te meter bala? Nada. Eu me limitei a dizer "ah é? falou então". Dado o impacto da sua ameaça - nenhum - o cara de barba mal-feita e meio gorducho passou a insultar os Libaneses: "são a escória humana, a pior raça do mundo - se eu tiver uma chance, meto bala num Libanês". Ok.

Nessa altura, já pela metade do trajeto, meu braço estava gangrenando abaixo de onde a Debbie se pendurava mas eu continuava aparentemente calmo. Para o parafuso-solto na nossa frente eu devia ser um mestre-zen. Já era óbvio que o problema dele era com Libaneses e eu estava cagando para o que ele achava ou fazia com Libaneses, mas ele ainda não sabia que tinha errado longe na minha identificação étnica.

Sem mais idéias para me tirar do sério resolveu perguntar: "você é Libanês?"

Prossegui a explicar que não, eu sou Brasileiro. Desconfiado, me perguntou de onde no Brasil. Por preguiça de explicar onde era Goiânia e com um leve receio de soar como alguma coisa em Libanês, respondi que era do Rio. Passando no seu teste, o maluco comentou que já tinha viajado pela América do Sul, Brasil, Rio, pelo Chile, Lima. Eu devia ter ficado calado mas resolvi informar que Lima era no Peru, não no Chile.

E ficou por isso mesmo. O leve cheiro de peido no ar, silêncio desagradável e o conforto de saber que nunca ninguém tinha levado bala por saber geografia.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu adoro ler essas suas historias.