Deixa eu contar

Nao sei de onde vem o cheiro de desodorante vencido: do edredao, lençol ou fronha. Enquanto nao compro meu notebook, vos escrevo no meu notepad, deitado em meu berço esplêndido.

Estou na calle de Funcarral, próximo à Gran Via, à duas quadras da Plaza del Sol, em Madrid. A estaçao de metro mais próxima, incluindo todas suas saídas, fica a menos de uma quadra da rua do Amanda Cinema Hostel. Agora soa fácil mas na noite chuvosa de 2a-feira em que cheguei, cheio de dúvidas sobre a qualidade do meu portunhol diminuindo a coragem para interpelar transeuntes, acabei andando bons quarteiroes na direçao errada.

A viagem de aviao foi boa - como eu disse antes a Japan Airlines é boa de serviço. Só a minha sorte com assentos nao melhorou. Pedi um assento de corredor, na emergência, para que pudesse ter espaço de esticar as pernas. Acontece que em vôos (aonde fica esse acento?!) internacionais aquele espaço é constantemente invadido por cidadaos de idade fazendo alongamento, temerosos da perigosissima DVT (deep vein trombosis). A criança de colo, chorando constantemente, estava também presente, claro, e desta vez, como bônus, tive um russo fedorento levantando os braços próximo ao meu nariz para colocar suas malas no compartimento acima. Ao menos eu me divertia vendo os japoneses de máscara indo ao banheiro; eles sempre batem na porta antes de abrir, mesmo quando desocupado. Educados, os japoneses.

Voltando ao albergue. O amadorismo da equipe me colocou sozinho em um quarto para dois solteiros, com chuveiro e pia. Melhor dizendo: pia/bebedouro/mictório. Disponho ainda no albergue de sala de vídeo e torradas ilimitadas no desayuno. Meu chuveiro, em compensaçao, chega a ser desumano, tao reduzido é o seu box (ao ver a foto acima, aproveite para reparar no tamanho dos meus dedoes). Abaixar para pegar o sabonete é um exercício com fálicos riscos para o pavilhao retrofuricular do banhista devido à infeliz altura em que foi posicionada a torneira.

O banheiro principal também tem metragem liliputiana para seus troninhos. Felizmente meu intestino ainda está no fuso-horário de Sydney, propiciando-me despreocupadas cagadas na madrugada (levando em conta que os barulhos no toalete nao te deixam na paranóia de estar atrapalhando a sessao na sala de vídeo, no quarto logo ao lado).

A decoraçao do albergue, tal qual como o nome indica, é rica em material cinematográfico, em sua maioria pôsteres de clássicos como "Touro indomável", "O bom, o mau e o feio", "Pulp Fiction", portraits de atores imortais e gratuidades como fotos das Spice Girls. Ainda nao descobri a relaçao do tema com os mais de 10 relógios de parede espalhados pelo albergue, nenhum marcando a hora certa.

Apesar da fadiga, recusei-me a dormir logo após chegar de Tóquio e andei pelas redondezas até descobrir o Shooters, um bar "Minha Cara (tm)" com miríades de mesas de sinuca para você se esbaldar por apenas €2,60. Óbvio que, graças ao meu espanhol nulo, só descobri o preço da mesa de sinuca na hora de ir embora, quando algo me impedia de sair do bar e me tornei para descobrir que era a mao do segurança no meu ombro, cobrando gentilmente o valor devido.

No dia seguinte cobri a rota turística obrigatória, entre Museu do Prado, Parque do Retiro, Templo de Debod, jardins e centro da cidade. Amanha ainda nao tenho nada programado mas fui informado que até o meio-dia tenho que mudar de quarto. Sabe Allah o que me espera.