sexta-feira, outubro 26, 2007

O siso

Então ontem a Debbie trocou o dente por mais bom-senso. Há alguns anos atrás eu recebi quatro vezes mais. Todos bom-sensos inclusos. Foram três meses de visita ao dentista sempre que a extração anterior estava melhorando.

O trauma foi tal que depois do último dente passei a ter sonhos onde eu ia ao dentista para remover os pontos e o doutor me informava que eu precisava extrair o siso. Num misto de assombro e dúvida eu explicava que, doutor, eu já tinha arrancado os quatro!

Suas respostas eram diferentes em cada sonho mas sempre no mesmo tom calmo e irredutível de quem sabe o que está falando: "Pois é, mas estão crescendo de novo" ou "Não, eu esqueci de arrancar um deles" ou ainda "Sim, mas você tem cinco sisos - eu já liguei par ao guinness, eles estão à caminho - agora abra a boca e diga ahh".

Acho que durou um mês, bem menos que os pesadelos da edição anterior. Esta se originou em um acontecimento igualmente traumático: meu curso de engenharia.

Quando me formei, no final de 2001, a minha aversão acadêmica era tão grande que não fui buscar meu diploma. Por quase seis meses eu esporadicamente acordava no meio da noite, em suores frios, de um pesadelo que ia mais ou menos assim.

Eu havia tirado a manhã de folga do trabalho para ir à PUC, na Gávea, visitar o Departamento de Admissão e Registro (DAR). Forneci meu número de matrícula, 9615271, para a moça do balcão que, por sua vez, entrou pelos arquivos da PUC e voltou, atenciosa, informando que eu não poderia solicitar meu diploma, uma vez que eu não havia completado uma matéria: "resmat".

Até nisso o pesadelo era cruel. Resistência dos materiais, carinhosamente apelidada de "resmat", é uma cadeira com equivalência à outra cadeira, mecânica dos corpos sólidos, ambas terror de muitos alunos. Você pode se matricular relativamente cedo, já que requer apenas conhecimentos básicos de cálculo, e este engodo já vitimou e, suponho, vitima muitos pupilos.

Por alguma razão, após minha segunda tentativa eu havia desistido da matéria e, por não ser requisito de nenhuma outra, prossegui até o final do curso sem terminá-la. E agora eu não poderia tirar meu diploma sem ela. Conformado me matriculei. Afinal, foram seis anos - o que são seis meses?

O pesadelo cortava, então, para uma cena no trabalho.

Martelando no teclado, tratando da labuta diária, fui invadido por uma daquelas lembranças desesperadoras. Tipo quando é dia de educação física na escola, você tem que trocar de roupa no vestiário, e lembra que não está usando cueca. Enfim. Três meses após o início do semestre eu lembrei que havia me matriculado. E não tinha ido a nenhuma aula.

Larguei tudo no trabalho, correi para o estacionamento, subi na moto (nessa época eu estava motoqueiro) e voei para a universidade. Cheguei ao final da aula; peguei o professor saindo da sala e expliquei minha situação. Eu precisava me formar, só faltava aquela matéria, será que eu não poderia fazer as provas passadas, continuar o curso daquele ponto? Não. "Tranque e matricule-se de novo no semestre que vem", era sempre a resposta.

Pois um dia eu cansei dos pesadelos e fui requisitar meu diploma. Hoje ele está amassado numa pasta junto com recibos da farmácia e do supermercado. Só usei para tirar o visto Australiano. E para estancar os pesadelos.

Um comentário:

Cyber disse...

Caraca! Mesma materia, mesma ideia, mesmo pesadelo!

Eh uma sensacao horrorosa acordar decepcionado/puto por ter que fazer mais uma materia... Nao gosto nem de lembrar.

Enfim, faz tempo que nao tenho, espero que tenha parado.

[]ao
Zylber